Os consumidores europeus esperam produtos alimentares nutritivos, seguros, sustentáveis e a preços acessíveis. Este artigo aborda, de uma forma geral, o processamento alimentar, a sua evolução, as tendências de consumo e de que forma a indústria alimentar trabalha para satisfazer as necessidades e os desejos dos consumidores europeus, com enfoque na nutrição.
Dos ingredientes crus aos alimentos
Enquanto que alguns alimentos podem ser consumidos no seu estado natural (como a maioria dos frutos e alguns hortícolas), a mairia necessita de ser de alguma forma processada, não só para assegurar sua segurança e digestibilidade, mas também para melhorar a cor, textura ou sabor, satisfazendo as expectativas do consumidor. A definição mais simples de processamento alimentar é “uma variedade de operações através das quais os alimentos crus se tornam aptos para consumo, confecção ou armazenamento”. Desta forma, pode considerar-se que lavar, pelar, fatiar, fazer sumo ou remover as partes não edíveis são formas de processamento alimentar. A legislação define “processamento alimentar” como acções que alteram substancialmente o produto inicial, incluíndo aquecimento, fumagem, cura, maturação, secagem, extracção e extrusão.1
De que forma é que o processamento alimentar afecta o valor nutricional?
Procedimentos simples como lavar, cortar e embalar os hortícolas frescos afectam minimamente a sua qualidade nutricional. O aquecimento e a fervura podem reduzir o conteúdo em vitaminas (particularmente das vitaminas hidrossolúveis como a vitamina C; a título de exemplo, a fervura de batatas peladas pode diminuir em cerca de 40% o seu teor em vitamina C), variando a perda de acordo com as temperaturas e tempos empregues. O processo de branqueamento ou fervura dos hortícolas por apenas alguns, seguido de congelação, secagem ou enlatamento retém vitaminas e minerais. Os cereais refinados como massa, arroz ou pão contêm menor quantidade de fibras, vitaminas e minerais comparativamente aos seus homólogos derivados de grãos completos; a menos que estes nutrientes sejam adicionados a seguir ao processo de moagem (por processos de enriquecimento). Noutros casos, o processamento pode promover a libertação de nutrientes e torná-los mais facilmente disponíveis para serem utilizados pelo nosso organismo. Por exemplo, a niacina (vitamina B3) no milho não se encontra nutricionalmente disponível a menos que o milho tenha sido demolhado e cozinhado em água de cal (uma solução alcalina de hidróxido de cálcio em água).
A história do processamento alimentar
O processamento alimentar ocorre desde os tempos pre-históricos. Os humanos têm vindo a utilizar o fogo há, pelo menos, 250.000 anos.3Cozinhar, uma forma de processamento alimentar que melhora a palatibilidade, a digestibilidade e a segurança dos alimentos, apareceu logo de seguida. Formas mais complexas de processamento alimentar emergiram em tempos ancientes e medievais: produção de pão, queijo e vinho, hortícolas secos ao sol e em pickles e carne salgada ou fumada. Os alimentos processados faziam parte significativa da alimentação humana sempre que não era possível consumir-se alimentos frescos ou as práticas agrícolas não eram sustentáveis devido a alterações sazonais, perda de colheitas ou guerras. As tropas dos exércitos e os marinheiros de longas viagens dependiam igualmente dos alimentos processados. O processamento alimentar em massa foi introduzido durante a revolução industrial nos séculos XVIII e XIX, iniciando-se com o advento dos alimentos enlatados e pasteurizados. Na primeira metade do século XX, a Europa foi devastada pela malnutrição causada pela pobreza, uma depressão económica e duas guerras mundiais catastróficas.4,5 Como resultado, a produção de alimentos em massa tinha como objectivos sustentar a população europeia, reduzir as doenças de origem alimentar, a malnutrição e as deficiências nutricionais fornecendo alimentos ricos em proteína, densamente energéticos e fortificados (com vitaminas) acessíveis a todos.
Tempos modernos
A produção e o processamento alimentar em massa continuam a desempenhar um importante papel. Sem eles, os consumidores estariam restritos aquilo que se produz localmente, existindo limitações na disponibilidade de alimentos e na acessibilidade para a grande maioria da população que vive nos meios urbanos.6 Um aumento na oferta de alimentos permite às pessoas escolher uma dieta mais variada, que tem maior probabilidade de fornecer todos os nutrientes necessários a um bom estado de saúde.7
Os factores que influenciam a escolha alimentar dos consumidores incluem qualidade, preço, aparência, sabor, saúde, preferências familiares, hábitos, segurança, métodos de produção, país de origem, marca comercial e intolerâncias e alergias alimentares.8 Os nossos hábitos alimentares sofreram alterações impulsionadas pela conveniência e pressões de tempo, sendo que muitas das refeições se realizam fora de casa (10 a 30% da ingestão energética diária).9-11 Adicionalmente, as escolhas alimentares podem ser impulsionadas por tendências emergentes nomeadamente preocupação com a sustentabilidade ambiental, alimentos orgânicos ou de comércio justo. Nas últimas décadas, os consumidores tornaram-se mais conscientes relativamente à sua saúde e mais interessados na sua manutenção ou melhoria através da alimentação.
A Organização Mundial da Saúde considera a obesidade um dos maiores desafios de Saúde Pública do século XXI.12 Dados recentes mostram que, globalmente, 36,9% dos homens e 38,0% das mulheres apresentam excesso de peso ou obesidade.13 No continente europeu, a prevalência de excesso de peso ou obesidade nos homens adultos é de 59,5% e nas mulheres de 51,9%.13 A população europeia encontra-se também a envelhecer e espera-se que a população mais velha se torne um grupo de consumidores ainda mais importante no futuro.14
Desenvolvimento de produtos e rorulagem
A Comissão Europeia estabeleceu, em 2005, a Plataforma de Acção Europeia sobre Dieta, Exercício Físico e Saúde. Esta plataforma junta decisores políticos, indústria e organizações não governamentais com o intuito de melhorar a alimentação e a saúde dos europeus. Os membros da plataforma assumem compromissos – acções voluntárias que visam promover estilos de vida saudáveis. Vários compromissos foram sendo assumidos pelos membros da plataforma, visando o tamanho das porções de alimentos, a informação contida nos rótulos, a promoção da saúde e a educação. Conseguiu-se um progresso significativo através da reformulação(alteração da composição nutricional de produtos alimentares existentes no mercado); p. ex., redução do teor energético, de gordura, açúcar e sal sempre que tecnicamente possível. Por exemplo, quatro compromissos que permitiram quantificar e comparar dados sobre o teor de sal resultaram numa redução de 733,4 toneladas de sal em 2011.15 Contudo, refira-se que a reformulação não é uma tarefa simples, dado que a remoção ou a redução de um ingrediente como o açúcar ou o sal pode alterar drasticamente o sabor, a textura, a aparência e até mesmo a segurança de um alimento. Os procedimentos de processamento alimentar têm que ser adaptados de forma a que o produto final consiga igualmente satisfazer as expectativas do consumidor.
Por outro lado, os produtos alimentares podem conter ingredientes adicionados para melhorar o seu valor nutricional, sendo fortificados ou enriquecidos com minerais ou vitaminas, por exemplo. Além disso, os chamados alimentos funcionais são alimentos que, quando consumidos como parte de uma alimentação equilibrada, oferecem potenciais benefícios para a saúde para além do seu valor nutritivo básico (por exemplo, margarinas adicionadas de estanóis ou esteróis vegetais). A indústria alimentar está constantemente a realizar investigação na área da inovação alimentar, por si mesma ou em co-colaboração com universidades ou institutos de investigação, melhorando as técnicas de processamento alimentar e para melhor compreender as preferências do consumidor.
A informação nutricional é outra das formas de encorajar os consumidores a fazerem escolhas alimentares informadas e conscientes. O novo Regulamento da Comissão Europeia relativo à prestação de informação aos consumidores torna a informação nutricional obrigatória nos alimentos pre-embalados (todos os produtos no final de 2016).16 A legislação exige a declaração da composição nutricional (por 100 gramas ou mililítros) para a energia e macronutrients como hidratos de carbono, gorduras (e saturadas), proteínas e sal, bem como o destaque dos alergénios.16 Informação adicional acerca da gordura monoinsaturada e polinsaturada, polióis, amido, fibra, vitaminas e minerais pode ser dada, caso estes se estejam presentes em quantidades significativas. A informação pode igualmente ser dada por porção de alimento. A indústria alimentar fornece igualmente a informação nutricional como percentagem de ingestão de referência para um adulto médio (DR – Dose de Referência). Em alguns Estados-Membros podem ser facultados outros esquemas voluntários na frente das embalagens, como, por exemplo, o semáforo nutricional no Reino Unido. O projecto FLABEL explorou o conhecimento dos consumidores e a utilização da informação nutricional nos rótulos. O projecto verificou que os consumidores não se sentem motivados e que não prestam grande atenção à informação nutricional, situação que poderia melhorar se a informação se mostrasse de uma forma consistente na frente das embalagens, provavelmente combinada com um logotipo.17
Para ser continuado…
Este artigo explicou de que forma o processamento alimentar evoluiu ao longo da história reflectindo as alterações nas necessidades sociais e nas expectativas dos consumidores. Deu-se igualmente destaque a algumas das políticas que objectivam melhorar a alimentação dos consumidores. Dois artigos seguintes irão focar-se nos esforços para assegurar a Segurança Alimentar (Produção de alimentos 2) e nos produtos alimentares sustentáveis (Produção de alimentos 3).
Referências
- Regulamento (CE) No 852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Abril de 2004 relativo à higiene dos géneros alimentícios
- Food and Agriculture Organization of the United Nations (1990). Roots, tubers, plantains and bananas in human nutrition. Section Effect of processing on nutritional value. Rome: FAO.
- Carmody RN &Wrangham RW (2009). Cooking and the human commitment to a high-quality diet. Cold spring harbor symposia on quantitative biology 74: 427-434
- Welch RW & Mitchell PC (2000). Food Processing: A century of change. British Medical Bulletin 56: 1-17
- Zweiniger-Bargielowska I, Duffett R & Drouard A (eds.) (2011). Food and War in 20th Century Europe. England: Ashgate Publishing Limited.
- European Environmental Agency (2006). Urban sprawl in Europe
- Foster R & Lunn J (2007). 40th Anniversary Briefing Paper: Food availability and our changing diet. British Nutrition Foundation Nutrition Bulletin 32:187–249.
- European Commission, Special Eurobarometer (2006). Risk Issues
- Orfanos P, Naska A, Trichopoulou A, et al. (2009). Eating out of home: energy, macro- and micronutrient intakes in 10 European countries. The European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition. European Journal of Clinical Nutrition 63:S239-S262
- Rosenheck R (2008). Fast food consumption and increased caloric intake: a systematic review of a trajectory towards weight gain and obesity risk. Obesity Reviews 9:537-547
- Orfanos, P, Naska A, Trichopoulos D, et al. (2007) Eating out of home and its correlates in 10 European Countries. The European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC) study. Public Health Nutrition 12:1515-1525
- Website da Organização Mundial da Saúde, secção Obesidade
- Ng, M, Fleming, T, Robinson, M et al. (2014)Global, regional and national prevalence of overweight and obesity in children and adults during 1980-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet early online publication doi:10.1016/S0140-6736(14)60460-8
- European Commission (2012). The 2012 ageing report
- Griffiths J, Vladu C & George E (2013). Monitoring the EU platform on diet, physical activity and health. Special report on the EU platform on diet, physical activity and health (reference period 2006-2012).
- Regulamento (UE) No 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à prestação de informação ao consumidor sobre os géneros alimentícios
EU project FLABEL (Food Labelling to Advance Better Education for Life). A pan-European project which has explored the impact of food labelling among consumers in Europe. Final leaflet with the main project results.