Abacate: saciar a fome mundial da fruta tem impacto ambiental e violência

 

Restaurantes ingleses eliminaram abacate de seus cardápios. Foto: Getty

 

Diário Verde publica duas reportagens do portal jornalístico El País retratando que,  para saciar a fome mundial de abacate tem um preço: florestas derrubadas e cartéis no México que entram no negócio de seu cultivo. 

Segundo a Wikipédia, o abacate, fruto comestível do abacateiro (Persea americana), uma árvore da família da Lauraceae nativa do México ou da América do Sul, hoje extensamente cultivada em regiões tropicais e subtropicais, inclusive nas Ilhas Canárias, na Ilha da Madeira e na Sicília.

Para se ter uma ideia do tamanho do montante que a fruta movimenta, somente em 2018,  as vendas aos EUA foram de 2,5 bilhões de dólares (9 bilhões de reais), muito mais do que as exportações petrolíferas. Ou seja, trata-se de um negócio maior do que o petróleo.

Confira abaixo, a primeira matéria do El País, informando que restaurantes da Irlanda e Grã-Bretanha  já estão pedindo que a fruta tropical não seja mais utilizada por critérios éticos e ambientais.

Na sequência, a segunda matéria do portal jornalístico espanhol (em sua edição brasileira) retrata que o Estado mexicano Michoacán, maior produtor mundial da fruta,  sofre com o ‘boom’ comercial que  também trouxe violência, desmatamento e precariedade trabalhista. 

 

Versatilidade, valores nutricionais, propriedades que elencam o abacate como um super alimento saudável, mas a sua reputação vem caindo pela voracidade consumista da União Européia e Estados Unidos

 

Versatilidade. Bom gosto. Valores nutricionais imbatíveis. Propriedades como ingrediente em seus cremes. E uma vistosa cor verde que serve para inúmeras composições no Instagram.

Na era do food porn (imagens, fotografias ou vídeos que sugerem alimentos preparados de forma que nos despertem instantaneamente a fome) e da comida saudável, o abacate tinha tudo para dar certo.  Os alimentos usados na food porn no geral são deliciosos, chamativos e repletos de calorias, trazendo ingredientes geralmente não usados e exóticos.

Mas sua reputação está em perigo justamente por conta da voracidade que desperta: somente na União Europeia as importações dessa fruta milenar se multiplicaram por quatro entre 2000 e 2017, chegando a 486.063 toneladas nesse ano de acordo com a base de dados Comtrade da ONU.

Um chef com estrela Michelin, JP McMahon, levantou a polêmica ao fazer um pedido aos restaurantes irlandeses para que eliminem ou pelo menos reduzam a presença dos “diamantes de sangue do México” em seus menus em uma entrevista ao jornal Irish Independent. Compara sua produção à dos frangos em grande escala.

Ele não usa abacates “pelo impacto que têm nos países de onde vêm: desmatamento no Chile, violência no México”.

Faz referência a informações publicadas, entre outros veículos de imprensa, no The New York Times, que em março (2018)  já alertava que os cartéis de droga entraram com tudo nesse próspero negócio. O principal país exportador é o México, onde falam de “ouro verde”, com um terço da produção global: são cultivados o ano inteiro na rica terra vulcânica de Michoacán.

“É um dos milagres do comércio moderno que em 2017, que teve o recorde de ser o ano mais violento no México, esse Estado cheio de cartéis exportasse mais de 1,7 bilhão de libras de abacates Haas aos Estados Unidos”, afirmou o artigo.

Restaurantes da Grã-Bretanha decidiram não utilizar abacates por motivos éticos e ambientais

Não são poucos os restaurantes, especialmente na Grã-Bretanha, que decidiram não utilizar abacates em suas cozinhas por motivos éticos e ambientais. Um dos últimos foi o Wild Strawberry Cafe, no condado de Buckinghamshire, após servir 1.000 pratos por semana com a fruta.

Como disseram em sua conta no Instagram, vai contra os critérios de sazonalidade e proximidade, ao contrário de produtos locais como as abóboras e as maçãs.

“As florestas estão diminuindo para dar lugar a plantações de abacate. A agricultura intensiva a essa escala contribui com o lançamento de gases do efeito estufa na atmosfera e pressiona os fornecimentos locais de água”, afirmaram.

Espécies como a borboleta monarca, conhecida por suas longas migrações dos Estados Unidos e Canadá ao México, ficam em perigo com a destruição de seu ecossistema para o cultivo de abacates.

Até mesmo um restaurante vegetariano, o Wildflower, no sul de Londres, se arriscou a prescindir de suas excelentes gorduras. Seu chef, Joseph Ryan, vê semelhanças com a quinoa, que também sofreu uma queda vertiginosa de preços após se tornar moda anos atrás.

O dono do Franks Canteen, Paul Warburton, também entrou no boicote. Como disse ao Express, o abacate se transformou no símbolo “chato” da globalização já que pode ser encontrado em qualquer café do mundo. “Além disso consome muita água e significa muitas árvores cortadas. Aqui tentamos trabalhar sazonalmente, e como os abacates serão sazonais no norte de Londres?”.

Espanha também cultiva

Mas nem todos os abacates vêm da América do Sul. A controvérsia por enquanto não chegou à Espanha, único país na Europa que se destaca em seu cultivo, com 107.000 toneladas exportadas em 2017: 17% a mais do que ano anterior e 79% a mais do que há cinco anos, de acordo com a Federação Espanhola de Associações de Produtores de Frutas e Verduras.

Granada, Málaga e especialmente as Ilhas Canárias têm a temperatura ideal, mas a falta de água impede a expansão do abacate, que os agricultores pedem que seja aliviado com mais infraestrutura.

Porque a cremosidade que fez do abacate um hit mundial – pode ser o ingrediente de molhos, comido com pão e batido – se deve justamente a sua grande necessidade hídrica. Uma plantação dessa fruta tropical precisa de quase o dobro em relação a uma floresta de tamanho equivalente, o que transforma sua produção em grande escala em pouco sustentável.

Confira  aqui  a matéria original e abaixo, a segunda reportagem do El País  que Diário Verde reproduz sobre o impacto social e ambiental do cultivo do abacate.

 

Abacates já são o maior produto do México responsável por quase um terço do consumo no mundo. Imagem: https://www.kjokkenutstyr.net/

 

A maldição do abacate, um fruto da desigualdade no México

Michoacán é o maior produtor mundial da fruta, cujo ‘boom’ comercial também trouxe violência, desmatamento e precariedade trabalhista ao Estado mexicano

A culpa foi da louca. Subindo pelo monte se veem casinhas brancas ao estilo Bauhaus e armazéns de empresas com nomes em inglês. Mais acima, tudo é verde pálido, uma cobertura de árvores que acabam em uma pequena flor amarelada de cinco pétalas.

Os agricultores mexicanos chamam essa flor que coroa as árvores de la loca (a louca) porque é imprevisível, aparece fora de época: no verão, no inverno, quando tem vontade.

Flores loucas o ano todo significam também abacates o ano todo, um ritmo imbatível que transforma essas árvores nos pomares mais produtivos do planeta. Pela altura, clima e terreno, Michoacán é o paraíso do abacate.

“Aqui nascem sozinhos. Mas nos últimos anos se plantou demais e mudou a vida de todos nós”, diz ao pé da colina verde de Uruapan José Luis Mata, um produtor que já há duas décadas deixou as plantações de pepino e melão para cultivar abacate.

Os norte-americanos estão apaixonados pela louca de Michoacán, o único Estado que tem permissão para vender abacates ao vizinho do norte. Na última década as exportações se multiplicaram por quatro.

Somente no ano passado, as vendas aos EUA foram de 2,5 bilhões de dólares (9 bilhões de reais). Mais do que as rendas por petróleo. Os terrenos de cultivo cresceram 200%. É como se quase todo o território da cidade de Londres se transformasse em uma imensa plantação de abacate.

 

Vista aérea de uma plantação de abacate em Uruapan. Foto: Gladys Serrano/EL País

Uruapan – de 300.000 habitantes – é o centro do negócio.

A capital industrial do abacate michoacano, onde estão as principais empresas comercializadoras e onde ultimamente mais se notam os benefícios e estragos da louca: as casas Bauhaus e as casas minúsculas com tetos de chapas de metal, as empresas estrangeiras e as florestas devastadas, os milionários anúncios de guacamole no SuperBowl e as mortes a tiros.

 

Violência do crime organizado aumentou na região abacateira há cinco anos. Cartéis de narcotraficantes surgiram com extorsões atrás do dinheiro rápido

 

Alejandro García, um distribuidor veterano, teve o filho assassinado na semana passada na porta de sua empresa. No final da tarde, quando saía do trabalho com seu pai na sede da Frutas Frescas de Michoacán, dois homens armados atravessaram a rua de moto e o fuzilaram à queima-roupa.

“Eu já tinha saído. Fui avisado por telefone e voltei rapidamente. Cheguei a vê-lo sangrando na porta”, diz García em seu escritório enquanto supervisiona o carregamento de um caminhão. Gabriel García, 26 anos, formado em Administração de Empresas, ainda estava aprendendo o negócio.

“De outros empresários do setor – diz o pai – estão pedindo mensalidades. Para nós não. Ainda que uma ou outra negociação com intermediários tenha acabado com uma pistola em cima da mesa”.

A região abacateira sofreu um aumento de violência do crime organizado há cinco anos. Pelo dinheiro rápido, os cartéis hegemônicos da época – A Família Michoacana e Os Cavaleiros Templários – surgiram com extorsões e assaltos exigindo uma fatia do bolo.

Nos povoados da serra chegaram a invadir plantações, expulsando os produtores de suas terras. As respostas das milícias de autodefesa – grupos civis armados contra o tráfico de drogas – e a queda dos grandes chefes diminuiu o nível de intensidade e levou o foco midiático a outras regiões problemáticas do país.

Mas a violência nunca foi embora. “Em Uruapan, como é mais cidade, não chegaram a organizar milícias. Além disso, antes pelo menos sabíamos quem eram. Agora já não sabemos mais”, afirma o empresário.

Pelas ruas do centro, os moradores reconhecem nomes e famílias:

Os Viagras? “São de Buenavista, de um povoado que se chama Pinzándaro. Foram se expandindo até se tornarem fortes aqui”.

Jalisco Nova Geração? “El Mencho – o chefe mais procurado atualmente no México – é de Aguililla. São primos. Já entraram em muitos municípios daqui. Vêm com tudo”.

 

Funcionários da empacotadora La Bonanza, em Uruapan. Foto: Gladys Serrano/EL País

 

Em 2014, o à época presidente da Produtores e Empacotadores de Abacate de Michoacán (APEAM), Sergio Guerrero Urbina, renunciou a seu cargo após aparecer em um vídeo conversando longamente com Servando Gómez La Tuta, líder dos Cavaleiros Templários, ao lado de outros empresários e políticos locais.

Gabriel Villaseñor, atual presidente do sindicato patronal abacateiro, conta que naquela época “o chamavam” sob ameaça de morte. Afirma que agora a tensão baixou, mas reconhece que roubos, assaltos e assassinatos aumentaram, culpando os bandidos comuns. Desde que há dois anos teve um primo assassinado, decidiu se proteger com guarda-costas.

Em um momento da entrevista, por uma das janelas de seu escritório aparece a galhada de um cervo. “São gamos europeus albinos. Gosto muito dos animais. Cheguei a ter antílopes africanos, mas acho que o clima frio daqui fez com que adoecessem e morresse”. Cada casal de cervos lhe custou 1.000 dólares (3.600 reais).

Dentro da fábrica da empresa comercializadora dirigida por Villaseñor, uma das mais antigas da área, se trabalha sem parar. É a grande semana porque no domingo do SuperBowl a demanda dispara. Mais de 100 funcionários cortam, limpam e armazenam abacates. Nessa época a jornada de trabalho é de sete dias por sete: 130 dólares por semana (475 reais).

Em Uruapan, 51% de seus habitantes são pobres, de acordo com dados oficiais de 2016. Em novembro, toda a rede do negócio esteve parada por quase três semanas graças a um protesto dos produtores.

Diziam que os distribuidores estavam abaixando o preço ao dar abertura a abacate de outros Estados. O quilo baixou a 17 de um máximo de 90 pesos (3 e 17 reais, respectivamente). A APEAM nega a existência de fruta de fora de Michoacán e afirma que é uma mera questão de mercado: com produção maior, preço menor.

 

Diarista ganha em média US$ 30 por cinco horas de colheita. Foto: EL País

 

Trabalhadores rurais diaristas são o elo mais frágil da cadeia produtiva

 

No meio, estão os diaristas, o elo mais frágil. “Se não cortamos, não comemos”, diz Francisco Hinojosa, 50 anos, segurando tesouras de poda para colher a fruta da árvore. Conta que antes costumavam trabalhar diretamente para o distribuidor, com contrato, seguro médico e pagamentos mensais.

Agora estão sob subcontratos. Trabalham por horas e só têm seguro médico quando estão nas plantações. “Se minha família fica doente, precisa esperar o dia em que vou trabalhar”. Ganha 30 dólares (110 reais) por cinco horas colhendo. De tarde tenta ganhar a vida com outros trabalhos: pedreiro, jardineiro, encanador.

No topo da colina, ainda resta uma faixa de floresta de pinheiros. Os limites com a plantação de abacates não são homogêneos e uma língua dos abacateiros penetrou pela metade da área de mata.

“Estiveram cortando e plantando, mas o Governo percebeu e pararam”, dizem na plantação mais abaixo. Não há números oficiais e confiáveis do desmatamento provocado pelo voraz cultivo intensivo do abacate no México.

“São aproximadamente 180.000 hectares”, diz o diretor do escritório de Michoacán do Instituto Nacional de Pesquisas Florestais (INIFAP), um órgão federal.

“Ocorreram abusos, ainda que não de maneira grave. O problema é que não temos estudos para medir o impacto causado pelo desmatamento. Não há incentivos para financiar pesquisas que possam prejudicar os interesses da indústria. Há dinheiro para pagar anúncios milionários no SuperBowl, mas para isso não”.

Nesse ano, será o quinto consecutivo que a divisão norte-americana da APEAM coloca um comercial de seus abacates nos intervalos do evento esportivo mais midiático e caro dos EUA. De acordo com a Bloomberg, apenas 30 segundos de comercial custam mais de cinco milhões de dólares (18 milhões de reais).

Confira aqui a matéria original do EL País