Governo quer liberar geral agrotóxicos cancerígenos e que causam doenças

Morte de peixes por contaminação de agrotóxicos. Foto: Divulgação

 

Apesar de todas as evidências e impactos ambientais, sociais e na saúde pública pelo uso abusivo de agrotóxicos que vem sendo objeto de denúncias recorrentes em reportagens, artigos científicos e de entidades acima de qualquer suspeita nos últimos anos, – fazendo com que o Brasil seja o campeão internacional no uso desses produtos, – inclusive alguns proibidos em outros países, a situação que já é péssima pode piorar ainda mais.

Atualmente, apesar da contaminação, ocorrência de graves doenças, além de prejuízos sociais e econômicos pelo uso indiscriminado desses produtos que possuem uma fiscalização frouxa no campo, legislação ultrapassada e injusta desoneração de tributos, este cenário já demonstra a falta de seriedade das autoridades a respeito do tema que é de suma importância para toda a sociedade brasileira.

Isto porque,  o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), junto com representantes das indústrias de agroquímicos elaboraram uma proposta de Medida Provisória (MP) que altera a lei 7.802 de 1989, conhecida como Lei de Agrotóxicos.

A mudança acarretará grande impacto negativo sobre a saúde das pessoas, sejam os agricultores ou os consumidores, do que pode se interpretar da matéria da jornalista Lígia Formenti, no Estadao.com em 20/4, que revelou os estudos para a edição da nova MP   e da análise do site Outras que repercutiu o assunto.Vale a pena conferir.

 

Segundo a reportagem do Estadão, o texto, redigido pelo Ministério da Agricultura com a colaboração da indústria, acaba por criar uma brecha para o uso de agrotóxicos que hoje seriam classificados como cancerígenos, teratogênicos (com risco de má-formação nos fetos) ou com capacidade de provocar mutações celulares. Atualmente, qualquer produto que preencha alguma dessas características é proibido de ser lançado no Brasil.

Atualmente, qualquer produto que preencha alguma dessas características é proibido de ser lançado no Brasil.

A mudança seria possível graças à inclusão da expressão “nas condições recomendadas para uso” no texto da lei atual, de número 7.802, de 1989. Essa incorporação, prevista na MP, permitiria liberar produtos considerados nocivos à saúde em testes de laboratório, desde que algumas condições fossem atendidas para reduzir os riscos desses efeitos.

Apreensão de agrotóxicos pelo Ibama. Foto: Divulgação

Entre essas condições estão o uso de equipamentos de proteção individual durante a aplicação do agrotóxico ou de pulverizadores protegidos com cabines com pressão negativa.

“O Brasil segue a filosofia do perigo. O ideal é que passássemos a adotar o gerenciamento de risco”, afirmou o diretor da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja Brasil), Fabricio Rosa.

Para ele, o novo texto proporcionaria um avanço no setor. “O risco de toxicidade não é equivalente ao do que ocorre no laboratório”, defende.

Já de acordo com o site Outras Palavras,  o risco do que fala o diretor da Aprosoja Brasil, é muito maior, como vem afirmando estudiosos, instituições da área da saúde e populações contaminadas.

 

Acrescenta que, as pessoas expostas aos agrotóxicos na vida real estão suscetíveis a desenvolver os efeitos considerados proibitivos, pois a avaliação é ineficaz para dar conta da complexa realidade de uso, principalmente ao considerarmos que são usadas misturas de agrotóxicos para a produção de alimentos e commodities agrícolas que chegam na nossa mesa e no meio ambiente.

Misturas de agrotóxicos e a exposição que estamos expostos no campo ou na cidade a coquetéis de veneno nos alimentos, água e ar, não é possível afirmar que tais substâncias são seguras 

E as interações das misturas não são pesquisadas, mas estão legalizadas. Segundo o sistema de registro de agrotóxicos do Ministério da Agricultura, estão registrados para o pimentão 38 ingredientes ativos de agrotóxicos. Para o tomate são 143, sem que haja nenhuma avaliação da interação entre esses ingredientes ativos.

A potencial interação entre as misturas é um problema real. Por exemplo, agrotóxicos que isoladamente não causam câncer, misturados a outros, podem aumentar o risco da doença. Diariamente estamos expostos, no campo ou na cidade, a coquetéis de veneno através dos alimentos, da água, do ar, do ambiente de trabalho. Portanto, do modo como os agrotóxicos são regulados hoje no Brasil, não é possível afirmar que eles são seguros.

Em Lucas do Rio Verde, vitrine do agronegócio no Mato Grosso, até o leite materno foi contaminado por agrotóxicos. Foto: Divulgação

Na entrevista ao Estadao.com, a diretora executiva do Sindicato Nacional da Indústria de Produto para Defesa Vegetal (Sindiveg), Sílvia Fagnani, tem avaliação semelhante ao do diretor da Aprosoja. Ela afirma que as regras atuais são excessivamente rígidas.

“O fogo, por si só, é perigoso. Mas a fogueira, onde o risco está controlado, pode ajudar a aquecer quem está próximo. A avaliação de risco segue a mesma filosofia”, comparou.

Ela argumenta que resultados de testes em laboratórios, feitos com animais, não podem ser usados como parâmetro de risco para o que ocorre com seres humanos, no campo.

Mas como é hoje?

A legislação de agrotóxicos vigente prevê a proibição do registro de agrotóxicos que causem efeitos sobre o sistema reprodutivo e hormonal, mutação no material genético, câncer e malformações fetais (teratogenicidade).

A avaliação do tipo de dano que um agrotóxico pode causar é feita pela Anvisa, a partir da análise dos efeitos tóxicos observados nos testes realizados pelas indústrias.

Na análise do Outras Palavras, com base em estudos,  esses estudos são muito limitados pois não tem sensibilidade para identificar todos os efeitos para uma pessoa que os agrotóxicos podem causar, além do fato dos testes investigarem apenas um agrotóxico por vez. Efeitos como diabetes, sobre a tireóide, cardovasculares, alergias, autismo e outras centenas de doenças não são investigadas nos testes de laboratório.

Segundo o Ibama, a edição da MP pode gerar exposição de pessoas e recursos naturais a substâncias ‘preocupantes’ e à contaminação de produtos agrícolas 

A proposta foi recebida com entusiasmo pelo agronegócio, mas enfrenta resistências dentro do próprio governo. Em nota técnica, integrantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foram contrários à mudança.

“A edição da MP poderá gerar insegurança na população quanto à exposição de pessoas e recursos naturais a substâncias preocupantes e, também, quanto à contaminação de produtos agrícolas”, informa o texto.

Em documento de três páginas, a instituição argumenta que a avaliação de riscos de agrotóxicos é um tema relevante, mas que sua aplicação requer uma estrutura ainda não disponível no País.

“Neste momento é uma medida prematura, precipitada e que, na prática, poderá não vir a ser atendida, especialmente em se tratando das fases mais avançadas de avaliação, que envolvam a realização de estudos de maior complexidade”, diz a nota.

 

Descarte inapropriado de embalagens de venenos  pode
contaminar o meio ambiente. Foto: Divulgação

O Ibama observa que os resultados de testes de avaliação de risco feitos em outros países não podem ser simplesmente considerados como aplicáveis no Brasil.

Os riscos do produto, acrescenta a instituição, têm de ser avaliados nas espécies locais e sob condições encontradas no País.

O texto lembra ainda que a simples recomendação de uso do produto não garante, por si, a redução de riscos.

Para isso é preciso que sejam cumpridas à risca. Algo que não há como ser garantido, sobretudo diante das deficiências na fiscalização.

 

 

Entre as críticas de integrantes do Ibama à medida provisória que deve alterar o registro de agrotóxicos está a previsão de supressão de uma regra que prevê que somente podem ser registrados no Brasil produtos que tenham ação tóxica comprovadamente igual ou menor do que os existentes atualmente.

 Embora integrem o comitê que avalia os critérios para uso de agrotóxicos no Brasil, Ibama e Anvisa não participaram da elaboração do documento, ou seja, não foram analisados impactos ao meio ambiente ou a segurança à saúde

Analistas da área de saúde ouvidos pelo Estado têm avaliação semelhante. Eles argumentam que a regra atual serve como incentivo para que a indústria redobre seus esforços em lançar produtos mais seguros tanto para saúde quanto para o meio ambiente.

Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) integram, com o Ministério da Agricultura, o Comitê Técnico de Assessoramento, encarregado de avaliar os critérios para o uso de agrotóxicos no País. Cabe à Anvisa analisar se o produto é seguro à saúde. O Ibama, por sua vez, procura mensurar o impacto do uso do agrotóxico no meio ambiente.

“Não são apenas critérios econômicos que devem ser avaliados. Há outros pontos importantes, como segurança, que têm de ser levados em consideração”, afirma um analista de saúde ouvido pelo Estado.

A redação do texto foi apresentada no comitê há menos de três meses. Nem Anvisa nem Ibama participaram da elaboração do documento. Procurada, a Anvisa não se manifestou. A diretora executiva do Sindiveg, Sílvia Fagnani, disse que o sindicato participou das discussões para a preparação do texto.

O Ministério da Agricultura afirmou apenas que a MP está em avaliação. O Ministério da Saúde disse desconhecer o tema.

Fontes e mais informações: Estadao.com e Outras Palavras