O agrônomo que virou orgânico da terra

 

Claudio Azzi Fernandes em feira de produtos orgânicos. Foto: Veio da Terra

Por Fleury Tavares

 

Diário Verde conta a trajetória do então jovem agrônomo idealista, Claudio Azzi Fernandes, quando ainda estudava Ciências Agronômicas na Universidade Federal de Lavras-MG, nos anos 1990,  mas já imaginava desenvolver uma produção de alimentos mais saudável e sem agrotóxicos para as pessoas, sem impactar o meio ambiente ou  causar doenças aos agricultores.

Hoje, 16 anos depois de muita garra, persistência, horas de estrada, alguns tombos, dedicação e experiência, o resultado é  muito positivo com a consolidação da sua marca:  Veio da Terra. 

Claudio começou a produzir hortifrutis no sistema da então chamada  Agricultura Alternativa, para depois passo a passo operar na distribuição e intercâmbio comercial com produtores individuais e cooperativas de orgânicos em Minas Gerais, e assim a empresa foi evoluindo.

Atualmente  opera no varejo com sua  loja em um box no Mercado Municipal de Santo Amaro, mas  também no atacado com a distribuidora de  hortifrutis para grandes redes supermercadistas e outros segmentos.

O agronômo acredita que a agricultura orgânica é uma tendência e não um nicho de mercado.

Ele diz amar o trabalho que faz com um sistema biológico de produção, que contribui para preservação ambiental, saúde dos agricultores  e consumidores.

Confira abaixo  o seu depoimento, cuja história profissional  se confunde com a evolução dos alimentos orgânicos no Brasil e o amadurecimento do mercado nas últimas décadas com uma dinâmica expansão  do setor apesar da crise econômica. 

 

A ORIGEM: ‘AGRICULTURA ALTERNATIVA’

Claudio conta que na época da faculdade (Universidade Federal de Lavras/MG)   em 1995, havia um grupo na escola que questionava o modelo da agricultura convencional. Os estudantes de agronomia já questionavam um modelo de ensino que preconizava alta tecnologia, adubos químicos solúveis, monocultura, máquinas intensivas e o uso intensivo de agrotóxicos.

“Naquele momento constituímos um grupo de ‘agricultura alternativa’  chamado Yebá  que, inclusive existe até  hoje na faculdade de agronomia. Yeba Buró é avô da Mãe Natureza (mito indígena).  Daí, organizamos hortas orgânicas nas escolas municipais da cidade de Lavras/MG, aproveitando este modelo como ferramenta educacional e de resgate da cidadania”, recorda.

O grupo envolveu toda a comunidade acadêmica organizando cursos, palestras, seminários e encontros regionais de agricultura alternativa: produtores, estudantes, profissionais da área, de órgãos governamentais e empresas privadas.

Também desenvolvia o trabalho de extensão (assistência) rural monitorado pelos professores,  junto a comunidades agrícolas ao redor de Lavras. Tratava-se do projeto Pro-Ex de extensão rural no qual o jovem estudante era bolsista.

“Naquela época já  mostrávamos aos agricultores técnicas da agricultura orgânica ­­ – adubação verde, compostagem, biofertilizantes, plantas companheiras. Depois que me formei em 1998, fui trabalhar com assistência técnica num órgão governamental, a Emater -MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), no município mineiro de Ipuiuna, próximo de Poços de Caldas (MG), região com muita lavoura de batata”, relata.

Agricultura convencional é nociva ao ambiente e à saúde dos produtores

Foto: Veio da Terra

 

O jovem agrônomo se depara com uma agricultura convencional, altamente degradante, tanto em relação ao ambiente e à saúde dos agricultores. No entanto,  foi uma experiência  importante, porque foi a primeira experiência viva e prática  com  a agricultura convencional. Segundo ele,  antes de criticar o sistema é preciso saber e conhecer.

“Na faculdade estudei entomologia, fitopatologia, as moléculas, a química, tudo isso, mas na prática me deparei com uma agricultura  extremamente agressiva que contamina o meio ambiente, além do uso irracional do solo. Os produtores de batata são nômades, vão plantando e degradando a terra, depois mudam de região  e só retornam ou não depois de 8/10 anos”, explica.

Com o impacto negativo dessa forma de cultivo, o jovem agrônomo começou a usar  algumas técnicas de agricultura orgânica em algumas lavouras, orientando os produtores a reduzirem a aplicação pesada de agroquímicos e começando a fazer uma transição para  o plantio agroecológico.

Essa experiência mostrou-lhe que teria de dedicar-se 100%  à produção orgânica.

   Arrendei um sítio e comecei a produzir hortifrutis e frangos orgânicos que vendia aos sábados na feira agroecológica em Pouso Alegre/MG

Claudio ainda trabalhando como extensionista rural na Emater-MG, decide arrendar um sítio na cidade de Ipuiuna e começa a produzir uma horta orgânica certificada por uma ONG regional chamada Sapucaí.

“Embora naquela época não existisse regulamentação, desde os anos 1970 existiam grupos que trabalhavam com produção orgânica e se reconheciam entre si. A Sapucaí, por exemplo é uma ONG histórica na cidade de Pouso Alegre, a uma hora de distância de Ipuiuna, que inspecionou a minha propriedade e liberou o selo de garantia de origem”, conta.

Foto: Diário Verde

 

No sítio, produzia hortifrutigranjeiros (folhas verdes, tomate, cenoura etc.) e criava frangos orgânicos, que vendia aos sábados numa feira orgânica organizada pela Sapucai.

A operação era simples, mas trabalhosa: nas sextas-feiras, enquanto os três funcionários que tocavam a horta colhiam os produtos, duas mulheres iam até a propriedade para matar e preparar os frangos que seriam vendidos na feira.

A empresa possuía um marca que na época não era ainda Veio da Terra, mas Alto da Serra, porque o sítio ficava numa região muito montanhosa, a 1.200 metros de altitude.

 

“Saía de madrugada  com a minha Saveiro, dirigia 50 km até Pouso Alegre, e aí no sábado virava  feirante junto com outros agricultores orgânicos que também iam vender seus produtos na feira, como os de Poço Fundo que são muito bem organizados, tem uma cooperativa, exportam café com selo Fair TradeFairtrade Labelling Organization (FLO), certificadora internacional com sede em Bonn,Alemanha”, explica.

 Larguei o trabalho na Emater, montei  a Veio da Terra no sítio arrendado e comecei a vender a sobra de hortifrutis excedentes da feira de Pouso Alegre abrindo mercado em dez cidades do sul mineiro

Após dois anos fazendo a feira orgânica, Claudio Azzi percebeu que sempre havia uma sobra de produtos da feira dos agricultores.  Incentivado pelos dirigentes da Sapucaí, abriu uma empresa para comprar o excedente. Com a sua formação técnica elaborou um planejamento de plantio junto com os demais produtores, ajudando-os na sua inserção  para abrir outros mercados.

Os primordios da empresa em MG quando foi criada a logomarca.
Foto: Veio da Terra

Em 2001,  decide sair do emprego na Emater e monta a Veio da Terra –  ainda  no mesmo sítio que arrendava em Ipuiuna  ­– junto com os dois ex-colegas da Universidade de Lavras, o Ricardo e a Elaine, dois agrônomos, oriundos do grupo de agricultura alternativa na faculdade.

Mercado regional

Logo após a criação da empresa, no primeiro ano buscaram alavancar o mercado local e  começaram a reunir e integrar  com agricultores em outros municípios, porque faltava muito produto, e a demanda era muito grande.

Aberto o mercado regional com entregas para o supermercado local de Pouso Alegre chamado Alvorada que possuía  uma filial em Itajubá. Daí passaram a distribuir para Itajubá, Caxambu, São Lourenço e Lavras.

 

Momento crítico em que os sócios ‘pulam fora’ e  você se vê endividado,  e aí pensei como vou tocar a Veio da Terra?

No início da empresa ainda com os antigos sócios, Claudio alugou  um pequeno galpão em Pouso Alegre,  onde recebia e embalava os produtos,  montou a  central que fazia as entregas no mercado local, além de manter os principais clientes abastecendo-os de frutas, legumes e verduras como a Rede Rex em Lavras, e o supermercado Alvorada em Pouso Alegre que distribuía para sua filial em Itajubá.

Ao final de 2001, percebeu a necessidade da empresa obter mais investimento, ter  mais produtos para atender ao mercado com  uma logística melhor.

” Rodávamos quase 10 cidades do sul mineiro para fazer as entregas numa Toyota, mas havia muita falta de produtos, e a logística era complexa. Aí, em meio a todos esses problemas, meus sócios saíram do negócio, ‘pulando fora’, até porque a empresa ainda não estava equilibrada e no final do mês, ainda tínhamos que colocar dinheiro, sem nenhuma retirada”, relata.

Neste cenário, o jovem agrônomo  se vê  num  momento turbulento, endividado, desempregado porque havia pedido demissão da Emater,  diante de um mercado sul mineiro ainda muito imaturo e uma produção também  desestruturada,  numa região onde ainda é muito forte a cultura da produção de café e leite.

Além de que o cultivo hortícola orgânico ainda era muito incipiente, com  algumas “ilhas” de cultivo hortifruti mas ainda o forte era  o método convencional de plantio.

Dona Alzira Azzi entra no negócio junto com  Claudio. Foto: Veio da Terra

 Em tempos difíceis, o importante apoio da família e a entrada nas grandes redes varejistas

” Então no momento de dificuldade a gente sempre procura a família. Conversei com a minha mãe, dona Alzira Azzi, que morava em São Paulo, e já havia tocado alguns negócios na área de confecção, frangos etc. Aí ela me perguntou:  Claudio, isto (orgânicos) dá certo? E eu respondi: Mãe dá certo, dá muito certo, só que a gente vai ter que investir”, recorda.

Naquele momento afastou-se da produção, inclusive do sítio arrendado em  Ipuiuna e passou a dedicar-se a organizar  produtores, em várias regiões (Pouso Alegre, Itajubá, Maria da Fé, Gonçalves).

“Meu trabalho consistia em visitar associações, cooperativas e agricultores e fazia o planejamento de plantio, assistência técnica. Depois  comecei a fazer a logística com os meus veículos”, conta.

Na cidade mineira de Maria da Fé existe uma associação de produtores que até hoje são seus parceiros. ” Visitei os agricultores em suas propriedades, elaborei um planejamento de produção com eles que já eram orgânicos e certificados pela Fundação Mokit Okada. Além disso já tinham um intercâmbio comercial com a Korin que operava naquela época no setor de hortícolas”, explica Azzi.

O passo seguinte foi a aproximação com outras cooperativas, como por exemplo, o dos produtores da Associação Orgânicos da Mantiqueira, que até hoje são seus fornecedores.

MUDANÇA PARA ATENDER NOVOS MERCADOS

Nesta época,  muda para Pouso Alegre, cidade central, ao lado da Rodovia Fernão Dias. Após um ano de trabalho no período (2001/2002), com a  saída dos  sócios, a Veio da Terra continuou,  e  dona Alzira Azzi formaliza a sua entrada como sócia da empresa que faturava R$ 3,5 mil reais/mês.

Foto: Diário Verde

Cláudio consegue juntar uma base de informações muito rica, constatando, por exemplo que, nas 52 semanas do ano, a produção de tomate  era apenas em 10 semanas, ou seja, não havia o produto durante as outras 40 semanas .

Além desta constatação, a Veio da Terra para crescer devia buscar novos mercados.

“Até porque o mercado sul mineiro não estava ‘amadurecido’ e também havia necessidade de melhorar  a frequência, variedade e a qualidade dos produtos. Naquele momento, os alimentos orgânicos ainda eram muito pequenos, feios e caros”.

 

A garagem da casa minha mãe  foi o primeiro galpão para estocar os produtos, quando decidi entrar no mercado paulistano

A estratégia, então, foi estabelecer parcerias com agricultores em conjunto e  produtores individuais que eram certificados mas não integravam nenhum grupo. O agrônomo empreendedor tentou converter alguns produtores convencionais para a agricultura orgânica, mas logo a sua estratégia se mostrou ineficaz e insuficiente .

O apoio da mãe e da família foi importante para o negócio conquistar o mercado paulistano. Foto: Veio da Terra

“Aí percebi que esta iniciativa dava muito trabalho e pouco resultado,  mudei minha estratégia e procurei trabalhar direto com produtores orgânicos. Viajava na minha Saveiro do Sul de Minas até a casa da minha mãe em São Paulo, onde usava a garagem para estocá-los”, relembra.

Segundo Cláudio,  o trabalho foi de maneira híbrida, ou seja, ainda mantinha os principais clientes no sul mineiro até porque o faturamento ajudava a pagar as despesas da empresa.

Mas já sentia a necessidade de abrir novos mercados, como o de São Paulo, bem mais evoluído, onde já existiam duas empresas – Santo Onofre e HorArt – que trabalhavam os orgânicos com muito dinamismo.

Mas a Veio da Terra ainda era uma pequena,  em que ele viajava com perua Saveiro trazendo os produtos embalados que depois eram estocados na garagem da casa dos pais bairro de Santo Amaro, zona sul da capital paulista.

Nova estratégia é desenvolvida: a entrega delivery de 5/10 cestas orgânicas em domicílio, com divulgação no boca-a-boca,  uma faixa afixada na garagem, o que despertou a curiosidade dos vizinhos. No início – como muitas empresas – os clientes eram parentes e amigos, depois procuramos contatar os pequenos varejos.

 

Investimento para expandir e operar nas redes paulistanas foi obtido com dinheiro de seguro do carro e ajuda familiar

As necessidades de investimento na empresa aumentaram, a Saveiro ficou pequena para transportar os produtos 270 km de Pouso Alegre a São Paulo, duas vezes por semana.  Com o dinheiro recebido de R$ 16 mil de um seguro em que houve perda total de outra Saveiro, foi o único capital disponível para o empreendedor podia investir.

Dona Alzira aflita, então, pergunta ao filho: “Claudio vai dar certo este negócio?”, ao que ele responde afirmativamente, embora ressaltando a necessidade de mais investimento e o único dinheiro –  que era o do seguro – estava acabando. Mas quando já estava quase sem dinheiro, a empresa atingiu o início do ponto de equilíbrio e começou a se pagar, após dois anos de muita persistência e trabalho.

“Sempre trabalhei com muito prazer, gosto de dirigir e ir na roça conversar com os agricultores…Bastante trabalho, mas muito prazeroso. Mas foi quando percebi que a empresa precisava de um carro maior para fazer as entregas e mais dinheiro para expandir”, relata.

Neste momento, o pai de Claudio resolve ajudar investindo R$ 10 mil, que ele comprou uma Kombi 1997 que ajudou muito a empresa. Até este momento (2002) a Veio da Terra não tinha funcionários fixos, apenas diaristas que me ajudavam a embalar os produtos deixados pelos agricultores no galpão em Pouso Alegre, distribuía nos supermercados do sul mineiro e na garagem da dona Alzira.

Claudio sempre gostou de estar na roça.
Foto: Veio da Terra

Um ano depois, a empresa começa a distribuir nas redes Hortifruti, empório São Paulo, dentre outras  na capital paulista. Daí houve a necessidade de contratar funcionários fixos, uma secretária e pessoal para ajudar na operação, até porque a Kombi já ajudava bastante a aumentar as vendas.

Expansão do negócio

Outro aumento também foi o número de agricultores parceiros para  ter mais frequência de produtos (por exemplo, o tomate que havia disponibilidade em 10 semanas, aumentou para 15 semanas).

Segundo Claudio Azzi, o grande desafio da agricultura orgânica é quando se tem uma estrutura pequena que não consegue atender a mais mercados e produtos. As coisas acabam tem que andar juntas –  o crescimento das vendas e leque de fornecedores.

No caso da Veio da Terra a expansão do negócio aconteceu de maneira simultânea: base produtiva, produtos, mercados, estrutura de logística.

“Como a Kombi começou a ficar pequena e aí um belo dia cheguei em casa dos meus pais, havia uma Ducato e aí meu pai me deu um boleto com 60 parcelas para pagar o financiamento. Lembro que ficou emocionado, chorei e abracei meu pai.”, recorda.

Mas aí a casa da dona Alzira ficou pequena para estocar e os vizinhos começaram reclamar da movimentação,  então  Cláudio alugou em 2004 um galpão no bairro de Santo Amaro, São Paulo.  Com a Ducato, a Kombi e a Saveiro,  uma secretária, contratou um motorista e dois funcionários para a linha de produção em Pouso Alegre e uma pessoa para tomar conta do novo galpão.

Veio da Terra começa a crescer com a base produtiva, oferta de hortifrutis, abertura de novos mercados e a estrutura de logística

A empresa crescendo com foco no atacado, até porque não havia loja que só foi implantada em 2010, surgiu uma dúvida cruel naquele momento: operar com uma grande rede varejista para ganhar escala e volume ou tocar o negócio em forma de delivery, a exemplo do Sítio Boa Terra,que até hoje atua nesta modalidade, ou como a Horte Art e Santo Onofre, empresas que trabalhavam com a grande rede?

“Optamos por vender na grande varejista, onde fui bem acolhido, cujo discurso é  crescer junto com a rede. Isto foi em 2005 e estou até hoje nela, entrego há 12 anos no Grupo Pão de Açúcar (GPA). Iniciamos nossas entregas de frutas, hortaliças e legumes na loja Extra/Pão de Açúcar de Interlagos, em São Paulo – sendo 70% na bandeira Pão de Açúcar e os outros 30%  na do Extra”, conta

O empresário recorda que  naquele momento as lojas trabalhavam com promotores, tínhamos que contratar um promotor, um supervisor que visita as lojas do GPA e tirava os pedidos. Diz que foi tudo muito rápido. Quando começou a vendar para o Pão de Açúcar o faturamento era da ordem de R$ 20 mil/mês.

A loja no Mercado Municipal de Santo Amaro surge em 2010 e vem expandindo o negócio de orgânicos.
Foto: Veio da Terra

Segundo Claudio Azzi, o crescimento foi vertiginoso dentro da rede, porque percebeu que tendo produto disponível era vendido.  Em 2005 saiu do mercado sul mineiro, passando a atender 100%  do mercado de São Paulo – até porque os preços e as condições eram melhores.

 Veio da Terra foi crescendo junto com o GPA, fui contratando mais pessoas, entre 2005/209 a frota já possuía dois caminhões, duas Ducatos e uma Kombi.

Com a mudança de política da Grupo Pão de Açúcar, Claudio começa a fazer entregas diárias no Centro de Distribuição do Pão de Açúcar, e percebe aumento de vendas de orgânicos que começam a chegar a outras lojas da rede como o  Vale do Ribeira, Interior e Litoral de SP.

Ele foi aumentando o leque de fornecedores além de Minas Gerais,  São Paulo (Ibiúna que fornece folhosas e Itatiba com legumes), também Paraná e o Rio Grande do Sul.

“Diversificamos em busca de maior rentabilidade, devido a pequena margem do negócio, até porque a margem era pequena enquanto atacadista, aí começamos a migrar para outros produtos do Sul. Foi um grande acerto”, salienta Azzi.

Até porque, segundo relata, as vendas no atacado da Veio da Terra sofreram concorrência porque alguns dos seus clientes começaram a comprar produtos (folhagens, legumes como tomate, batata e  cenoura) direto de outros fornecedores  e que eram importantes ao faturamento da empresa.

“Foi uma estratégia de sucesso e  fez com que não perdêssemos um espaço tão grande no mercado, passando a distribuir esses novos produtos nas grandes redes. O nosso DNA sempre foi de atacadista,  mas hoje me sinto muito a vontade para dizer que o nosso sangue também corre dentro do varejo”, conclui.

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A ‘VEIO DA TERRA’ 16 ANOS DEPOIS

Confira no ping pong do Diário Verde com Claudio Azzi Fernandes, a receita de seu sucesso, cujo  maior desafio é fazer com que o negócio seja administrado de uma maneira mais justa, solidária e equânime a todos os atores – produtores, varejistas e consumidores.

A empresa que é muito conhecida no mercado de orgânicos  foi convidada a participar do Prêmio Estadão Pequenas e Médias Empresas – PME – 2014 disputando com mais de 2 mil concorrentes, classificando-se entre as três finalistas.

Veio da Terra também  ganhou o prêmio de destaque do programa Sesi/Senai, “Mesa Brasil” contra a fome e o desperdício, pela iniciativa de realizar doações semanais de alimentos saudáveis, mas que por apresentarem alguma mancha ou amassado, não podem mais ser comercializados.

 

Foto: Veio da Terra

 

Temos a maior variedade de frutas, legumes e verduras in natura da cidade de São Paulo

DV – Como foi a montagem do negócio de varejo e por que instalar a loja no bairro de Santo Amaro?

Claudio Azzi – Há sete anos fomos procurados pela coordenadoria dos mercados municipais da cidade de São Paulo, que pretendia instalar unidades com alimentos orgânicos.  Minha mãe era amiga de uma permissionária da rede OK Carnes aqui no Mercado Municipal de Santo Amaro que tinha um box com uma frangaria que ela queria desativar. Então, participamos de uma licitação pública para concorrer e a nossa proposta foi vencedora.  Em 2010, a Veio da Terra começou, então, a operar também no varejo.

Em 2015 abrimos uma segunda loja na rua Moliere, espaço grande onde tínhamos uma proposta para fazer cursos, eventos, durante um período  funcionou, mas devido algumas questões como a localização, frequência e dificuldade de local para estacionar, dentre outras, a gente desativou recentemente esta loja.

Daí  mudamos a estratégia e resolvemos concentrar toa a nossa operação comercial aqui no mercado de Santo Amaro,  e com isso as nossas vendas chegaram a aumentar 50% .

Já no sul mineiro continuamos com o intercâmbio com grupos organizadores de agricultores que nos entregam hortifrutis semanalmente, além dos fornecedores de Ibiúna e Itatiba (SP), e do Paraná.

DV – Qual o diferencial do empresa em relação aos concorrentes que atuam no segmento varejista de orgânicos?

Claudio Azzi – Hoje se for na minha loja você vai ver a maior variedade de frutas, legumes e verduras da cidade de São Paulo.

20170408_165742Eu faço um desafio a você e aos leitores do site para que venham até a minha loja e contem quantos itens que tenho de orgânicos de produtos.

Então, o meu diferencial é que disponho da maior variedade de frutas, legumes e verduras  in natura da cidade de São Paulo!

DV – Qual o portfólio de produtos in natura e processados?

Claudio Azzi – Tenho cadastrado no meu sistema 1.300 itens de produtos, alguns itens tem glúten, por exemplo, geléia que deve ter uns 50 tipos, já o arroz temos uns 15 tipos de arroz, só de FLV (frutas, legumes e verduras) tenho 250 itens cadastrados e assim por diante.

Se você for pensar que até para um varejo essa quantidade é considerada pequena, porque até nas lojas  convencionais como aqueles mercadinhos de bairro, por exemplo, cinco mil itens cadastrados é comum.

Até porque  vendem Omo, sabonete, Bis, que, obviamente, são produtos que eu não vendo. Resumindo: 1.300 itens não é uma coisa absurda, mas para o mercado de orgânicos até que é  uma significativa.

DV – Quantos fornecedores e qual o público que frequenta a loja?

Claudio Azzi – Se contabilizar produtores associados em cooperativas, juntando atacado com varejo, acredito que possuímos cerca de 80 fornecedores de 1.300 itens – entre agricultores, cooperativas, associações de produtores, agroindústrias.

Quanto aos nossos consumidores temos 400 clientes cadastrados, por meio de campanhas de cadastramento. Estamos inseridos num bairro de alto poder aquisitivo, Alto da Boa Vista, região sul da capital paulista e de forte colonização alemã de São Paulo, como a escola Rudolf  Stein  que trabalha com a antroposofia, a marca Welleda, a Clínica Tobias e uma livraria  que também utilizam técnicas naturais associados à antroposofia.

20170408_170243-e1495384467141É uma região com muitas escolas como o Anglo, Doze de Outubro, Metododista, Suíça, então há muitas crianças e as mães. Embora não tenha feito uma pesquisa, notei que a visitação na nossa loja também é de muitas pessoas idosas preocupadas com a saúde e na busca de uma qualidade de vida melhor.

Outro público são os professores e profissionais liberais com um nível de conscientização maior,  jovens e adolescentes  vegetarianos ou veganos preocupados com a saúde alimentar, além de atletas e esportistas.

Numa estimativa, 60%/70%  do público é formado por mulheres, atletas, jovens veganas, vegetarianas, profissionais liberais com um nível de consciência maior, mães preocupadas com a saúde dos filhos e senhoras com a qualidade de vida.

DV – E quais os principais produtos que atraem os consumidores? Fazem entregas em domicílio?

Claudio Azzi – As frutas, legumes e verduras são os alimentos que as pessoas mais vem comprar na loja e  que são o meu ponto forte. Também fazemos entregas delivery no bairro de Santo Amaro.

DV – Qual a estratégia de marketing da empresa?

Claudio Azzi – Temos um email-list que enviamos ofertas semanais aos clientes, estamos migrando para o WhatsApp, uma fanpage no Facebook , Instagram,  Twitter, seguidores no Ministério da Agricultura, Pão de Açúcar. Estamos em todas as mídias sociais, e pretendemos evoluir.  Mas estamos remodelando o nosso site, para transformá-lo com foco institucional e de e-commerce.

DV – Qual o tickete médio  de consumo na loja? Investimento inicial? Faturamento atual? Número de funcionários? Expansão?

Claudio Azzi – Sobre o faturamento não quero comentar. Hoje temos 15 funcionários entre atacado e varejo, operamos em um galpão no bairro do Socorro (auditado pela SGS do Grupo Pão de Açúcar)  e a nossa loja-âncora – unidade demonstrativa para que tenhamos outras lojas como essa aqui do Mercado Municipal de Santo Amaro, no sistema de franquias.

A circulação de pessoas aqui no mercado e na loja é muito grande, calculo que  esteja em torno de R$ 50,  já a venda diária média na loja gira em torno de R$ 3 mil.

DV – Qual a sua opinião em relação a questão de preços – ainda considerados caros pelos consumidores – mesmo os adquiridos nas feiras e grandes cadeias varejistas ?

Claudio Azzi – A questão de preço esta relacionada a um momento de mudança de paradigma. Obrigatoriamente, seremos levados a uma mudança radical nesta questão de precificação de produtos orgânicos.

Na minha opinião, enquanto atacadista e varejista, considero  insustentável esta prática de preços de produtos orgânicos. 

Percebo que o consumidor final paga caro, um preço bastante caro pelo produto e o agricultor recebe um preço baixo.

Então, já existe uma tendência para que esse  ‘abismo’ que existe entre o preço pago ao produtor e o preço final do consumidor que isso seja equalizado.

 

 

DV – Como viabilizar uma cadeia de orgânicos no Brasil para que o agricultor possa planejar a sua produção e receba um valor adequado aos seus produtos e o consumidor possa pagar um preço mais acessível?

Claudio Azzi – Atualmente o que predomina é um custo baixo na lavoura e  consumidor pagando um preço alto. Percebemos que nos mercados orgânicos mais desenvolvidos (EUA, Alemanha) e  mesmo no Brasil já existem iniciativas para diminuir a diferença de preços e aproximar esses atores.

Eu posso citar algumas novas experiências como as cooperativas de consumidores,  agentes financiadores de produtores que são remunerados com produtos, embora também existam alguns mercados com muita retórica – que trabalham com mercados solidários ou participativos dizendo-se sem ‘fins lucrativos’ mas que lucram com o negócio.

No meu caso, pela metodologia tradicional, posso dizer que os nossos preços são competitivos dentro da média de mercado, ou seja, se comparar meus preços com os de um supermercado, –  em muitos casos são até menores que os de uma grande rede.

Veio da Terra é destaque no Programa Mesa Brasil 2016 do Sesc. Foto: Divulgação

Evidente que alguns itens como os de mercearia como queijos, ricotas e outros industrializados a grande rede tem uma competitividade maior que a minha.

Por sua vez, nas feiras orgânicas alguns produtos são mais baratos do que os meus, mas às vezes há mais dificuldade do consumidor obter uma variedade de produtos em relação a nossa que, normalmente, é melhor que a deles.

Além desses fatores, a nossa loja aqui no mercado tem a comodidade para o cliente porque há estacionamento e segurança, o  que são vantagens adicionais. Ous seja, há prós e contras.

 

DV – O que pode ser feito para reduzir os preços ao consumidor?

Claudio Azzi – Para diminuir essa distância do preço pago ao produtor do que é cobrado do consumidor final, poderia citar experiências como nos EUA das cooperativas dos consumidores que compram direto dos agricultores com agentes facilitadores para organizar essa cadeia produtiva.

Nós, da Veio da Terra, estamos procurando reduzir essa enorme diferença de preços. Vou contar uma tentativa: eliminar as embalagens que são caras, as bandejas de isopor e  o plástico de pvc, mas ainda há muita reação do cliente que desconfia que o produto não é orgânico, ele quer ver o selo colado na bandeja, então não é muito fácil.

Uma outra questão, em que ainda existe muita retórica, é o da aproximação do consumidor com o agricultor, por meio de eventos, seminários e visitas programadas de grupos de consumidores às propriedades.

Cursos, palestras e oficinas de culinária foram atividades que a empresa realizou para estimular o consumo de alimentos orgânicos. Foto: Veio da Terra

Outra iniciativa interessante seria mostrar uma transparência comercial maior. Ou seja,  mostrar quais são os custos de produção e as margens do agricultor e do varejista.

Isto seria uma evolução para podemos entender quanto cada ator da cadeia está ganhando.

Tudo isso para que o consumidor quando compre um produto, saiba exatamente o que está pagando aquele preço.

Há também a questão social que é importante na questão de preço, ou seja que determinado produto veio de um grupo de agricultores com determinadas características ou de uma comunidade quilombola, o chamado selo social, ou o Fair Trade muito em voga na Europa, Estados Unidos e Japão.

Ou seja, se o consumidor souber que de fato está pagando o preço justo ajudando uma comunidade quilombola ou manter os agricultores familiares na propriedade a ter qualidade de vida etc, ele paga com uma consciência maior e  o alimento não se torna tão caro.

 

DV – Mas no caso brasileiro,  existe a questão do baixo poder aquisitivo da população – que se pudesse, certamente consumiria alimentos orgânicos. Então o que fazer?

Claudio Azzi – Concordo, mas existem muitas questões com o impacto dos tributos, a trabalhista etc. Evidentemente que tudo isso impacta muito na operação e caso fosse mais equilibrada ajudaria na redução dis preços.

Há a lei da oferta e procura, ou seja quando a demanda é muito grande e a oferta não atende, então os preços serão mais caros. E outro fato, pelos dados que disponho do Mapa (Ministério da Agricultura), os orgânicos ainda representam de 2 a 3% quando comparados aos produtos convencionais, e   existem um pequeno número de produtores orgânicos, algo ao redor de 12 mil em todo o país.

Então, este perfil ainda é muito pequeno em relação ao todo, é claro que há excessos e também falta de produtos. De repente todo mundo tem abóbora, mas não tem o pepino, a vagem e assim por diante. É preciso  aumentar o número de agricultores, consequentemente o volume de produção e também as quantidades comercializadas nas feiras livres, deliverys, nas grandes redes para que a lei da oferta e procura seja atendida.

Existem algumas experiências que estão sendo feitas de catalisar isto para que possamos popularizar e baratear os orgânicos de uma maneira mais rápida. Hoje somos obrigados a vender volumes menores com uma margem mais alta, que é uma característica do mercado. Mas vejo que a evolução é podermos comercializar com volumes maiores e margens menores, numa escala maior e que todos ganhem com isso – o produtor, o varejista e o consumidor.

 

SERVIÇO DIÁRIO VERDE

Empresa: Veio da Terra
O que faz: loja e distribuidora de produtos orgânicos.
Sócios: Claudio Azzi Fernandes e Alzira Azzi.
Sede: Santo Amaro (SP).

Início das atividades: 2001
Investimento: não informado
Faturamento: não informado
Funcionários: 15
Endereço e funcionamento: Mercado Municipal de Santo Amaro (SP) – Entrada pela Rua Padre José de Anchieta, 953 ou pela Rua Ministro Cardoso Alves, 359 – Box 21 e 22 – Tel: 5541-7834, email azzi.fernandes@uol.com.br 
A loja funciona de 2ª a sábado, das 8h às 19h.