Aberta há 33 anos, a lavanderia de Renato Soares em São Paulo já passou por toda sorte de dificuldades.
“Sobrevivemos a períodos de recessão, hiperinflação, mudanças arbitrárias na lei e às dificuldades criadas pela intrincada burocracia e sistema brasileiro de impostos. Também fomos roubados duas vezes. Então a essa altura não imaginava que chegaria o dia em que teria de pensar em fechar meu negócio”, diz ele.
“Mas como posso operar uma lavanderia sem água?”
A instabilidade no suprimento de água já está dificultando a vida de milhares de pequenas empresas e comércios, como a lavanderia de Renato. E caso se confirme a necessidade de um racionamento severo, que envolva quatro ou cinco dias sem água, muitos temem ter de fechar as portas.
Entre os que podem ter suas atividades inviabilizadas pela falta d’água estão lava-rápidos, cabelereiros e produtores de hortaliças. “Também pequenos produtores de laticínios, porque eles precisam de água para a higienização dos utensílios usados na fabricação de queijo”, diz Pedro Parreira, diretor da Parcon Consultoria, especializada em pequenas e médias empresas, que tem clientes em dois Estados que sofrem com a seca: Minas Gerais e São Paulo.
“O governo está preocupado com as demissões das grandes montadoras, mas acho que deveria olhar também para os pequenos negócios. Eles são os grandes empregadores do país – e muitos não vão sobreviver a um possível racionamento de água e energia combinado com uma conta de luz mais cara.”
Dificuldades
Renato diz que, no momento, a região em que a sua lavanderia se encontra tem tido água apenas seis horas por dia, começando às sete da manhã. Por enquanto, ele tem conseguido dar conta da demanda pedindo que seus funcionários cheguem mais cedo – o que significa que alguns têm de acordar às 5 da manhã.
“Mas não sei como poderia sobreviver a cinco dias por semana sem água”, diz ele, em referência ao esquema que, segundo o diretor metropolitano da Sabesp, Paulo Massato Yoshimoto, estaria sendo estudado pela companhia para um cenário mais drástico. “E o mais triste é que o que está em jogo não é apenas o meu negócio, mas o trabalho de meus oito funcionários e a vida de suas famílias.”
Segundo Parreira, as pequenas empresas que quiserem sobreviver ao racionamento terão de fazer adaptações. Elas podem instalar sistemas para captar água das chuvas ou reaproveitar a água já utilizada para atividades como lavar o chão (reúso).
Em São Paulo, muitas pequenas empresas também estão investindo na compra de caixas d’água adicionais. A gerente de outra lavanderia, no bairro paulistano de Vila Beatriz, comprou três para tentar sobreviver a um possível racionamento. “E ainda assim não sabemos se será suficiente”, diz ela.
O dono de um estacionamento que oferecia lavagem de carros na região diz que chegou a estudar a adoção de um serviço de “lavagem a seco”, mas concluiu que a compra do equipamento não valeria a pena diante da demanda mais baixa.
“Tem sujeira que você não consegue tirar com a lavagem a seco, mas não dava para continuar com a lavagem normal. Há dias em que só tenho água até as 10 da manhã”, afirma.
Custos
Às vezes, as adaptações são pequenas.
Em bares e restaurantes paulistas, por exemplo, já é comum receber bebidas em copos de plástico – medida que permite aos estabelecimentos reduzir o volume de água usado para lavar a louça.
Outras exigem mais investimentos.
De acordo com Parreira, painéis solares e geradores podem ser uma solução para a falta de eletricidade – outra ameaça que tem crescido com a seca, já que algo entre 60% e 70% da energia consumida no Brasil provém de fontes hídricas.
“Mas a questão é que, para uma pequena empresa, que em geral tem margens de lucro mais baixas, às vezes o custo de se fazer essas adaptações combinado com o custo de uma conta de energia mais cara pode tornar o negócio inviável”, diz o consultor.
Segundo Alessandra Ribeiro, da Consultoria Tendências, a expectativa é que os brasileiros tenham de arcar com uma conta de luz em média 46% mais elevada este ano.
“As termelétrica estão sendo acionadas em função dos baixos níveis dos reservatórios de água – e o custo dessa energia é bem maior”, diz.
Ribeiro explica que é difícil estimar o efeito que a falta d’água pode ter sobre o PIB (Produto Interno Bruto) em função da ausência de um levantamento detalhado sobre a dependência dos diferentes segmentos do setor de serviços desse recurso.
“Temos uma ideia de quanto cada indústria usa de água, mas no caso dos serviços é mais complicado. Além disso, para o racionamento de eletricidade, já temos uma base de comparação, que é 2001 (quando o governo ordenou que os consumidores reduzissem seu uso de energia de 20%), enquanto que a ameaça de um racionamento de água nessas proporções é algo inédito”.
Segundo a Tendências, um corte de 10% no consumo de energia este ano teria um efeito de 0,8 ponto sobre o PIB. Nos cálculos do Itaú, um racionamento conjunto de água e energia elétrica teria um efeito negativo de -0,6 ponto percentual.
“Diante de todas essas dificuldades, é urgente algum tipo de medida para ajudar as pequenas empresas a se adaptarem a nova realidade de crise hídrica e incerteza energética – como incentivos fiscais para a compra de painéis solares e sistemas para captação da água da chuva”, opina Parreira.
Fonte: BBC Brasil